quarta-feira, 21 de outubro de 2009

não errar



sentimentos contraditórios, hoje. dilemas morais, daqueles em que nos afundamos ou aprofundamos, conforme mal ou bem resolvidos.

parênteses prévio, é uma piada de que me recordei no autocarro enquanto me contraditava (estava a maria madalena despojada de roupa no centro de um círculo de gente pura, todos a ouvir cristo pregar acerca dos erros, da necessidade de perdoar, sai ele com o famoso "quem nunca errou atire a primeira pedra!". ora, um fulano de nariz pingão, que se dizia das redondezas da póvoa do varzim (a zona do rapaz fica a critério, eu ouvi assim e soou bem), com uma pedra mui bem lascada na mão direita, ficou pensativo, mirou três vezes a infeliz meretriz e a pedra mui bem lascada que segurava, olhar a bailar de uma para a outra e, durante o prolongado silêncio que cristo deixava fazer efeito e madalena lhe agradecia com olhares doces, ergueu o braço e disparou uma tal pedrada que a rapariga nem tirou os olhares doces e foi com eles que deu duas piruetas à retaguarda (testemunhas há que mencionam um encarpado, mas sabem como são estas coisas do diz que vi) antes de cair no chão pedregoso, inconsciente. cristo ficou furioso: "mas tu és parvo? és um imbecil completo, pá! que raio de ideia foi essa!?", ao que o poveiro respondeu, acanhado, raspando a ponta da bota direita no pó do chão, à la obelix: "foste tu que disseste quem devia atirar primeiro.....", justificou-se, deixando o messias ainda mais furioso (e esquecendo a parte do perdoar os erros alheios.....): "devias estar internado, pá, não bates dessa cabeça, não te falta um parafuso, faltam peças inteiras, e das importantes, tu nunca erraste? nunca falhaste, ó idiota?" (a parte do "ò idiota" também pode não ser verídica, não a ouvi bem, mas contaram-me assim e, no meio da indignação divina, parece-me credível). o rapaz, perante a pergunta, mudou a expressão acanhada para uma de prudente orgulho e respondeu: "cristo, a esta distância, nunca!"). o.k., foi meio fora, mas tinha de ser.

o meu dilema é este, na parte que posso deixar pública: estou dividido entre vingar uma atitude pequena de quem me prejudicou profissionalmente e lucrar profissionalmente contornando-o.

até que ponto estou a valorizar o prejuízo passado para justificar o ultrapassar presente? até que ponto deveria desprezar o prejuízo e esperar outra situação de valor (que sei vai vir, não vindo a da ultrapassagem, porque vai ter de vir uma, infalivelmente)? até que ponto satisfaço dois prazeres menores (vingança e satisfação de fazer um projecto que quero fazer e devia ter feito, raios) desprezando um bem maior, o da verticalidade máxima?

a questão é que não posso andar a pregar almas limpas se contaminar a minha.

reconheço que é fácil arranjar desculpas, olhar para o lado quando devia olhar em frente, mas a questão é mesmo essa, puder olhar em frente, para toda a gente, a direito, sem desníveis. para isso, é necessário que os erros sejam de boa fé (como o do poveiro, por exemplo, que julgou estar a fazer bem não errando), porque não o sendo têm de ser escondidos, os erros e os olhares.

é o meu critério. aplicando-o, sei que se seguir em frente vou ter (o prazer) de dizer a quem me prejudicou: "erraste, pá".

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