sexta-feira, 29 de outubro de 2010

auto-censura



hoje ia escrever de um assunto, tinha o que ia escrever na ideia, e depois desisti, auto-censura. desisti porque recordei que uma pessoa que ia mencionar poderia ficar sentida pelo que ia mencionar dela (apesar de ir dizer que é uma das minhas colegas favoritas, apesar de ter um defeito (pré-conceito meu) que ela tem).

e nisto fiquei sem assunto para escrever hoje, até cariño me dizer para escrever do assunto de ter ficado sem assunto.

auto-censura é saudável, tanto como qualquer opção consciente na vida. demonstra controlo sobre o que fazemos, sentimentos que sentimos, pré-conceitos que temos.

escrito isto, qualquer censura, mesmo auto, é insana. demonstra controlo pelo que fazemos, repressão de sentimentos que sentimos e pré-conceitos que nos travam.

mesmo assim, censura auto é menos má que censura externa. e cada alma tens as limitações que se impõe, é melhor viver com elas.

e pelo menos assim sei que não vou deixar sentida uma amiga. só não sei se ficaria se tivesse escrito o que ia escrever e ela tivesse lido.......

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

puta de mar



pre scriptum- os espanhóis usam uma expressão que é "puta madre", que é uma exclamação, algo como tremendo, excelente, algo intenso. os açoreanos deviam utilizar uma que é "puta de mar", relacionado com certas viagens entre ilhas. o que se segue aconteceu hoje de manhã:

local: algures no triângulo dos açores; hora: hoje de manhã, dez e picos; viagem patrocinada pela sata, pela transmaçores; estado do mar: puta de mar.

experiência de vida, atravessar o canal com mar assim. os regulares gozam, dizem que está lisinho (mar calmo, vulgo "azeite") e passam a viagem a beber minis no bar (o meu lado macho ficou impressionado), mas os passageiros ocasionais passam as passas do triângulo e nunca mais esquecem.

o mar estava a modos de quase ficarmos de pés no ar, tal o afundar do barco, e quando estendíamos a mão para agarrar uma barra de ferro, acontecia ela se afastar com a ondulação.
uma passageira, bem gira, foi balançando até ao bar, pedir um café, e eu fui balançando atrás (pelo café). estávamos no café, e a menina atrás do balcão fez piada profissional "pode ser já mexido"? a menina bonita desistiu, depois de passar de pele clara a azul e depois a roxo, suponho que desistiu antes de chegar a verde. eu achei que o mínimo que podia fazer era acabar o café, enquanto os fulanos enfiavam minis e se riam, o que, conseguindo, me deixou orgulhoso.

o pior foi a volta, já sabendo o que me esperava e vendo o catamarã amarrado no cais e mesmo assim balançar mais que capulana de angolana.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

traços humanos 8



(na minha rua, onde há uma associação de cegos)

carro de gama, estacionado em cima do passeio estreito,
dois fulanos nos bancos da frente, à lord.

a descer a rua desce uma senhora cega (invisual para quem preferir), bengala a conhecer o lancil do passeio, bem conhecido de tanto lhe tocar os limites. chega ao carro dos lord's, que não costuma estar ali quando ela passa, e bate-lhe com o bastão.

irritada por ter de abandonar o passeio (que o carro tomou ao estacionar), contorna o carro sempre a bater-lhe, literalmente, enquanto insulta o condutor, sem saber se ele lá está (está, e acompanhado, mas faz de ausente).

a cega bate no carro com fúria de desrespeitada,
talvez mais de dez bastonadas valentes, plenas de honra, todo o percurso que tem de o contornar, pelo alcatrão, e bate-lhe com desejo de atingir o condutor que não sabe estar lá dentro e não saiu, nem ele nem o colega.

(parênteses: li um comentário a um livro de miguel rocha, em que um agente da pide era vilipendiado no final, comentário que afirmava algo como "sentimo-nos vingados (pelo final em que o pide é penalizado)". acho que todos na rua nos sentimos de certo modo vingados dos abusos de quem estaciona no nosso caminho, só porque acha que pode, sem ter coragem de responder quando chamado).

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

aquela altura do mês



p(re) s(criptum) - eu estava indeciso entre escrever da reacção do partido comunista ao nobel da paz deste ano ou da história fabulosa dos mineiros chilenos (que ficam para depois), mas calhou ir ao hiper, de manhã, e isto bate tudo.

fascinado, absolutamente fascinado, diante do expositor de maravilhas. mais que os meandros da política, mais que as discussões desportivas, tanto como os sonhos eróticos e quase tanto como o imaginário infantil, o expositor de produtos de higiene feminina é um mundo.

pode-se passar e olhar, pode-se ajudar a comprar, até com algum interesse, pode-se reparar nas meninas a escolher entre caixas e embalagens pequenas ou pequeníssimas, mas quem nunca experimentou ir comprar, sozinho, com instruções pelo telefone, ter de escolher..... meus amigos homens, nunca penetrou no verdadeiro mundo feminino.

há pensos diários, de grande fluxo, médio fluxo, pequeno fluxo, há slims (os meus favoritos), há para tanga, cueca regular e cueca de avó, e há uns que se adaptam a todas as cuecas (promessas), há com abas e sem abas, perfumados ou não (porque há mulheres que não gostam de odores estranhos, ali), há embalagens que trazem de bónus objectos estranhíssimos, uns à vista outros também embalados, que só podemos imaginar, tudo isto em embalagens e pacotitos de chorar de lindos.

e depois, ah, depois, meus caros, há os tampões! nem vos escrevo dos tampões... nã, escrevo: com canudo para colocar ou de colocação manual, a dedo, minis, médios ou maxis (e nalgumas marcas, super maxis!), com estrias ou sem, todos silk, cada caixa mais mignon que dá vontade de sermos nós a abrir.....

para escolher a fruta não precisei de instruções. ah, manhã mais saborosa.....

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

traços humanos 7



tinham passado toda a visita a olhar-se, comunicavam-se com o olhar, riam e sonhavam com ele. tocavam-se muitas vezes, apontavam ainda com os olhos, sorriam neles e na boca.

a senhora da imobiliária, a baixinha (menos expansiva que a alta, de cabelos de caracóis fartos, que não tinha vindo) estivera calada, e era o dono da casa que tinha mostrado e falado de todos os espaços, feitos de ideias idiotas, sonhos fantásticos, cores vibrantes, sensações sensoriais.

a match made in heaven (sinly heaven), o casal e a casa que outro tinha feito para outro casal, e que agora esperava uma opinião, comentários falados.

e eles finalmente falaram, do que se imaginavam a fazer naquela casa nova, e falaram de jantares com amigos, de sessões de fotografias, de sexo barulhento em recantos luminosos da lua, de cheiros que lá iam instalar, dos objectos que iam trazer e onde os iam colocar e como iam ficar bem lá, e o que algumas pessoas iriam adorar.

e o senhor da casa também ficou feliz, não por a vender, mas por a quem a vendia, porque sabe bem deixar sonhos para trás, na busca de sonhos novos, mas sabe ainda melhor se atrás vier quem sonhe os nossos, à maneira deles. como uma dádiva, mas neste caso, bem paga.

p. s.- tudo isto é irreal, não existe o casal que descrevi nem a cena, nestes moldes. mas imaginei um casal homossexual, quando escrevi. gostava de passar isto a quem amasse de um modo (que outros achem) bizarro, como eu.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

o "chnês"



há meses atrás, estava a falar com um cliente acerca da proliferação (e sucesso) de lojas de chineses, e enquanto ele afirmava que eles trabalham muito e dedicadamente, a mim ocorreu acrescentar que eles não têm vícios.

hoje, tenho um cliente chinês, empresário de sucesso, jovem, casado, mulher dedicada a ele e ao trabalho. é maltratado pelo estado, na pele da burocracia do município, por alguns a quem paga para lhe acautelar os interesses (legítimos, todos os temos. e como ele perde algo da língua portuguesa, é fácil perder algum controlo....), por alguns clientes, que lá vão religiosamente, desprezando-o pela religiosidade com que lá vão.

a verdade é que ele trabalha, investe, paga os créditos (e tem mais créditos, penso que no banco é até muito bem tratado, porque o dinheiro vê a cor da nota que circula e não da mão que a move), devia andar de cabeça levantada, mas apesar de jovem, empresário bem sucedido, bem casado (parece, dêem o desconto que acharem justo), ele tem a espinha ligeiramente dobrada, no andar.

na cultura ocidental, o operário tem é direitos. adquiridos, logo irrevogáveis, sob pena de carmo e trindade, fascismo e exploração capitalista. o chinês (e outros povos explorados (sim, explorados)) tem cultura de responsabilidades, a quase escravidão (em parâmetros ocidentais, os meus) para merecer uma taça de arroz, uma esteira onde deitar o esqueleto estafado por 4 ou 5 horas, antes de recomeçar.

num filme de spike lee, "do the right thing", acho, um grupo de afro-americanos (alguns reconhecendo o laxismo dos seus) queixava-se de ver o seu bairro invadido por negócios de coreanos (os chineses deles), e o sentimento (aliado ao calor) degenerava violência. cá é só desdém, por agora, mas como vai reagir a classe dos direitos quando estes forem desadquiridos, por meio de lei fascista ou falência de fundos, quando os chineses forem seus patrões?

olhando o meu chinês, se for como a maioria dos chineses que cá estão, não tem vícios. eu, ser vicioso, me questiono se ele é feliz sem eles, sem pelo menos alguns deles (é também discutível se ser tão organizado e focado não será um vício, que o é, mas deixemos este de fora, aqui).

será que quando ele for patrão (que já é, mas patrão desafogado) vai ganhar vícios? claro que sim, i just really wonder which. e também me questiono se será mais feliz, então. e questiono-me ainda se serão os ocidentais, abraçando a responsabilidade por necessidade, mais felizes então, por mais produtivos.

burguesia de merda, que compra férias a crédito, veste e guia o que é do banco para parecer o que não é, exige do estado o que nunca deu nem pensa devolver, faz piscinas biológicas em frente ao mar (esse ao menos reconhece, e produz) e olha de cima para quem trabalha: a redenção aguarda a falência do estado social.

não perguntes, se não queres que te minta



por estes dias li um livro em que um casal utilizava o lema do título, ambas as partes do casal.

é ficção, mas o assunto é apresentado como sendo necessário e suficiente que exista verdade de sentimento, não sendo necessário verdade de conhecimento factual. isto foca na valorização do conhecimento emocional do outro e na desvalorização do passado, história, traumas ou percurso.

mesmo imaginando que mais tarde venha a ser necessário atender à parte prática do conhecimento (nome, história, percurso), até que ponto pode ser viável a relação (d)escrita no livro? é mais "pura", certamente. será até mais profunda. não descarto o conceito, porque não há real mentira, há um desvalorizar de certas verdades, e um realçar de outras.

há exemplos bastos (filmes, textos, lendas, músicas) de relações assim, assentes num sentimento e mais nada, sem qualquer apoio ou zona de conforto em questões factuais ou afinidades de conhecimento ou práticas.

há anos atrás defendi, numa divergência com um amigo, admirador de biografias, que se conhece melhor um autor pelo que escreve, filma ou musica de ficção, porque a verdade de uma alma não é factual, mas melhor definida por sonhos, medos, desejos, ideias.

é fácil escolher em que perspectiva custa menos ser mentido: custa menos que nos mintam no que fazem do que no que sentem (não?). mas será suficiente que nos sejam sinceros (e versa) nas emoções e desejos?

eu inclino-me que sim, e o blogue é meu.