terça-feira, 3 de novembro de 2009

o silêncio do lobo



não é muito usual fazer elogios fúnebres. os mais deles são falsos, fruto de remorsos por maldades que se revelaram desnecessárias ou faltas de atenção que foram necessárias, e não prestadas.

antónio sérgio morreu, sábado. morreu mesmo, porque, antes disso, viveu.

conhecia-o dos programas de rádio. o que acompanhei mais foi a "hora do lobo", primeiro na comercial, depois na best, agora estava na radar, acho. era uma altura em que não havia internet, quase não havia informação independente de circuitos comerciais, e quem queria descobrir musicalidades novas, ia ao estrangeiro, lia o blitz (menos produtivo e não audível, mas ainda assim rendia) ou ouvia os programas dele, na rádio.

mais que as músicas que se descobriam (ou tanto como, mas para mim, mais), valia o entusiasmo, o desejo de descoberta, a atitude de ultrapassar pré-conceitos, porque o que se descobria era novo, não enquadrável em nada enquadrado.

era como um puto ir, confiante pela mão dos pais, a um sítio novo: não sabia o que ia conhecer, mas sabia que ia gostar de conhecer, pelo modo como ia conhecer, mesmo que depois não gostasse do que tinha conhecido.

eu já não o ouvia há tempo, agora vou fazer as minhas descobertas noutros moldes, noutros lugares, noutras companhias. como os putos, que crescem e já não vão descobrir coisas pela mão dos pais. mas a confiança ficou, o desejo de descobrir, uso basto. alguma parte dessas coisas boas que possuo, foi dele que me veio.

antónio sérgio morreu, numa lua quase cheia. gosto de imaginar que ouviu um uivo, nalgum registo original, antes do coração silenciar.

1 comentário:

  1. Foi-se o mestre da rádio.
    Horas e horas a ouvir, de alma aberta, as novidades que este senhor nos servia com voz rouca e inimitável....

    Os anos de ouro da independência da rádio portuguesa, a ele os devemos.

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