segunda-feira, 30 de março de 2009

rasteiras



na faculdade, tive alguns professores que admirei (deviam ter sido mais, julgo). no topo deles, maria manuel godinho almeida (fascínio de pessoa e mulher), carlos coelho (apagado e dedicado assistente, merecia mais que isso, num mundo justo, fazia muito bem aquilo que os arquitectos devem fazer melhor: perceber) e o aguillar (génio vivo, olhava de frente para nós).

mas hoje escrevo de um outro, antónio cabete (?, sou péssimo para fixar nomes, merecia que recordasse o dele). também apagado e não menos dedicado, também assistente da cadeira de projecto (recordo que casou com uma colega nossa, aluna, menos apagada que ele).

não devia ser grande arquitecto, não tinha muita paixão, era mais um sociólogo, pessoa educada ao limite, nunca lhe entrevi sequer uma intenção de maldade ou indelicadeza. ele era um desenquadrado, não fazia parte de grupo nenhum, apenas fazia o seu trabalho e dedicava-se a isso, ali.

viemos a saber mais tarde (eu e colegas que acompanhamos a conversa) que o desenquadrado dele se devia a dois factores, ou melhor, à sequência deles. ele tinha estudado no estrangeiro (itália), logo estava desenquadrado desde a universidade (os arquitectos tem um corporativismo estranho, mas tem, mesmo assim), estava on the outside, looking in (devia ter escrito isto em italiano, mas ignoro).

em consequência desse facto, tinha um modo de encarar a vida estranho à nossa cultura. dizia ele que, vendo um concorrente correr mais ou melhor do que ele, um italiano (se é que era mesmo itália, não importa) apressava o passo, esforçava-se mais, ia aprender para fazer melhor. na mesma circunstância, um português contentava-se em pregar uma rasteira a quem estava a ultrapassa-lo!

a ele penso que fazia espécie a perspectiva, eu achei que ela a expunha muito bem, e o conceito acompanhou-me ao longo da vida.

acontece que julgo perceber o que a ele estranhava, o que faz a pessoa (e aqui extravaso nacionalidades, sexos, idades e qualquer outra característica de grupo, refiro apenas pessoas em geral) preferir a rasteirita ao esforço: é medo de falhar, insegurança nas suas capacidades de crescimento e evolução.

tenho para mim que gente assim (abundância dela...) prefere mentir vitórias a abraçar derrotas, arranjar mesquinhas desculpas para a sua menoridade a sentir dores de crescimento. é gente que tem de ter muletas toda a vida, sejam familiares, mentiras, desculpas ou delírios.

2 comentários:

  1. há sempre "rasteireiros" por ai, como nos levantamos ou limitamos a rasteira a um pequeno tropeçar, é uma arte que traz mais felicidade, que a infelicidade do não desenvolvimento dos já mencionados "rasteireiros". principalmente se tivermos amigos que ajudam a evitar a dramatização excessiva das mesmas. delírios só se forem em sonhos e húmidos...

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