elogio a fotografia. como forma de compreensão e expressão, como arte, como hobby, como fetiche, como cultura, como tecnologia.
hoje, tudo acerca de fotografia é digital, trabalhado, aperfeiçoado. quem nunca viu "antes e depois" de fotografias tratadas, normalmente publicitárias. essa evolução tecnológica apenas demonstra a importância que guardar imagens tem, sempre teve. desde o início, em que se conseguiu, através da exposição à luz de uma película, gravar imagens nessa película.
também se contam histórias acerca de culturas que, desconhecendo a técnica, interpretavam a fotografia como o aprisionar da alma do fotografado. não deixavam de ter razão, mas também lá fica ainda mais da alma do fotógrafo...
a perspectiva cultural actual que quero mencionar é nostálgica: acabaram os encontros de fotografia de coimbra, há uns anos. eram um acontecimento fantástico, vinha gente do país inteiro, conhecíamos montes de pessoas nessa altura, havia sempre assuntos de conversa, motivos para debater. acabaram por questões económicas, nem vou escrever disso, mas deixaram saudades e vazio.
fotografia como fetiche tem muito que se lhe escreva. coisa que nunca fiz verdadeiramente e gostava, é uma sessão de nu. como tenho andado a realizar sonhos antigos (falta a moto e o pára-quedas...), quem sabe.
eu sempre gostei de fotografar, sempre como amador, no sentido rico, de quem ama. tinha uma praktica analógica, muitas coisas fizemos juntos, experiências. houve negativos que se perderam, mas o que fotografam nunca se perde, para o fotógrafo.
há uns dez anos, fiz curso, ainda era tudo pré-digital. adorei, mas não continuei a fazer, e perdi. o fulano que dava o curso, nem me recordo o nome, dizia que arquitectos dão bons fotógrafos, dizia ele que por questões de olho, enquadramento. nessa época, o que me fascinava era o preto e branco. cheguei a pensar fazer uma câmara escura nesta casa, quando a comprei...
de há uns tempos para cá, faço com telemóvel, tenho tido uns com máquinas razoáveis, para telemóveis, mas ficam curtas para algo mais. este fds, acho que voltei a apanhar o vício...
para algumas pessoas, o encanto da fotografia é captar a unicidade do momento. para outras, é uma forma de arte, matéria prima que pode ser trabalhada (em negativo, em processo de revelação e impressão, em tratamento digital, em instalação ou exposição). para outras ainda, é jornalismo, prova documental (tantas vezes falsificada...). outras ainda há que olham para a fotografia como recordação de férias (li acerca dos japoneses, que tiram milhões de fotografias, porque as férias que realmente têm é a olhar para elas, com os amigos).
eu gosto porque me motiva ainda mais a olhar, ajuda ainda mais a perceber, e porque parece que as que faço acabam por ser uma expressão bastante justa do modo como vejo o mundo. tal como isto aqui.
http://www.youtube.com/watch?v=RjqwB3u65yk
"(...)
ResponderEliminarEnquanto Macondo celebrava a reconquista das recordações, José Arcadio Buendía e Melquíades sacudiram o pó à sua velha amizade. O cigano ia disposto a ficar na aldeia. Estivera na morte, com efeito, mas regressara porque não tinha podido suportar a solidão. Repudiado pela sua tribo, desprovido de todas as faculdades sobrenaturais como castigo pela sua fidelidade à vida, decidiu refugiar-se naquele recanto do mundo que a morte ainda não tinha descoberto, dedicado à exploração de um laboratório de daguerreotipia. José Arcadio Buendía nunca tinha ouvido falar desse invento. Mas quando se viu a si próprio e a toda a família plasmados numa idade eterna sobre uma lâmina de metal azulado, ficou mudo de espanto. Datava dessa época o daguerreótipo oxidado em que se via José Arcadio Buendía com o cabelo eriçado e grisalho, uma camisa de colarinho engomado fechado por um botão de cobre e uma expressão de solenidade deslumbrante, e que Úrsula descrevia rindo à gargalhada como "um general assustado". Na verdade, José Arcadio Buendía estava assustado nessa manhã clara de Dezembro em que lhe fizeram o daguerrótipo, porque pensava que as pessoas se iam gastando a pouco e pouco à medida que a sua imagem fosse passando para as placas metálicas. Por uma curiosa inversão do habitual, foi Úrsula quem lhe tirou aquela ideia da cabeça, e foi também ela quem esqueceu antigos azedumes e decidiu que Melquíades ficasse a viver lá em casa, ainda que nunca viesse a permitir que lhe fizessem um daguerreótipo, pois (segundo as suas próprias palavras textuais) náo queria ficar para troça dos netos. Naquela manhã vestiu as crianças com as suas melhores roupas, empoou-lhes a cara e deu uma colher de xarope de tutano a cada uma para que conseguissem ficar completamente imóveis durante quase dois minutos diante da aparatosa máquina de Melquíades. No daguerreótipo familiar, o único que alguma vez existiu, Aureliano apareceu vestido de veludo preto entre Amaranta e Rebeca. Tinha a mesma languidez e o mesmo olhar clarividente que haveria de ter anos mais tarde diante do pelotão de fuzilamento.
(...)"
Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
Como não tenho alma, não acredito em tal coisa, condenei-me à minha terráquea existência, logo livrei-me de ficar prisioneiro ou de me gastar numa qualquer câmara escura...
Mas há quem consiga prender o meu olhar de singelo mortal, e muitos por aí passaram!!!
Dos que eu não me esqueço:
Cindy Sherman, Joel Peter Witkin, Jorge Molder, Man Ray, Eadweard J. Muybridge, Paulo Nozolino, Cristina García Rodero, Robert Frank, Hugues de Wurstemberguer, Nobuyoshi Araki...
Normalmente não me perco em nostalgias,
mas lá que tenho saudade...
Esta já não me lembro se por aí passou, sei que a vi no CCB e é mais uma das que me consegue pôr em cativeiro...
http://www.youtube.com/watch?v=xd6_gpfx8CA&feature=related
Um abraço...
em cheio, my friend
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