sábado, 30 de janeiro de 2010

o baloiço parado



havia luzes, nos candeeiros das ruas, nalgumas poucas janelas. por vezes, passavam carros que traziam luzes pequenas, passavam depressa e levavam as luzes para longe. a luz maior era culpa da lua, gorda, lá em cima, curiosa do mundo das pessoas. a lua sabia que era um mundo atarefado, de correrias, mas só sabia quando vinha espreita-lo durante o dia, porque de noite era um mundo sereno.

havia vento, frio mas não gelado, vento que seria suave se fosse mais quente. assim era incómodo, mas pouco. passou um cachorro, sozinho, cheirava os cheiros que o vento trazia de longe até ao focinho dele. o cachorro seguiu, foi com o vento. não foi com o vento, devem ter divergido, algures, fora de vista.

havia silêncio, por toda a parte silêncio. no silêncio ouvia-se quase tudo, os carros, o vento, as árvores, docemente, mas o cachorro não. no silêncio, ouvia-se o balançar do baloiço da mulher sozinha na noite de lua cheia. se se estivesse perto, seria possível ouvir-lhe as lágrimas, porque a mulher estava triste, daquelas tristezas audíveis e palpáveis.

havia humidade, via-se a escorrer no metal do baloiço e sentia-se na pele. a mulher agarrava a humidade ao segurar-se nos aros de metal, sentia-a quando permitia às mãos escorregar. ela escorregava por dentro, escorregava na tristeza como as mãos na humidade. podia segurar-se, impedir-se de escorregar, em ambas, mas em ambas escorregava, e mais na tristeza.

cheirava a nada, a nada importante. cheirava a vazio, como se a ausência de pessoas tornasse o mundo inodoro. outro carro passou, este devagar, mas não trazia cheiro, só luzes, primeiro brancas e depois encarnadas. o cachorro voltou, cheirava o chão, as árvores, a humidade do ar, cheirava o vazio e parecia desgostar da ausência de pessoas, porque veio até à mulher no baloiço, que já não baloiçava.

ela chorava, sem o ver ali sentado em frente do baloiço que já não baloiçava. ele olhava para as lágrimas e não percebia porque ela chorava. deu mais uns passos e deitou o focinho nas coxas ainda quentes, que cheiravam a sexo. não se incomodou com o cheiro, cheirou duas vezes e não voltou a cheirar. ficaram assim muito tempo, os dois, no baloiço parado.

de manhã, quando o sol tomou conta do mundo outra vez, já lá não estava nenhum dos dois, nem a mulher triste nem o cachorro que cheirava o mundo.

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