os russos adaptaram "tarass bulba", do gogol, para o cinema, este ano. estive a ver e gostei, apresentam uma perspectiva de elogio da alma russa, sem bacoquices. fica bem a um povo (neste caso, mas também a um grupo, submundo, família) enaltecer-se com o seu passado, sem o fantasiar, e construir em cima do que de bom foi feito pelos seus.
como todas as grandes histórias, esta tem muitos ângulos de apropriação. o que venho escrever hoje é o do que um pai deve e/ou pode esperar dos filhos. tarass tinha dois filhos, sendo que viu morrer ambos. é uma história de cossacos, gente de sangue guerreiro nas veias, tоварищ (tovarich), camaradagem indomável.
ostap, o mais velho do velho tarass, morreu assim, torturado pelos polacos para se vingarem das muitas mortes que ele lhes tinha causado em batalha. morreu como herói cossaco, sem gritar durante a tortura, e ouviu o pai, do meio da multidão, antes de suspirar derradeiro. pai orgulhoso a ver o filho morrer como ele gostaria de morrer, e morreria mais tarde.
andriy, o mais novo, morreu polaco. durante o cerco da cidade de dubna, reencontrou a filha do voyvod (comandante da cidade), por quem estava apaixonado. a princesa polaca enviou-lhe uma mensageira, a pedir comida, e andriy foi. na presença, declarou era seu (da princesa), renegou pai, irmão, alma russa, camaradas de armas. vestido de ouro, saiu da cidade sitiada ao comando de uma força e foi atraído até o pai, num descampado. tarass já sabia da "traição", confronto andriy, renegou-o de sua vez e matou-o. o rapaz não resistiu, esperou a bala em pé.
cada pai tem ideais para os filhos, mais livres ou tacanhos, tem-nos e é legítimo. cada pessoa (incluindo os pais e mães) têm princípios de que não podem separar-se (sob pena de deixar de serem as pessoas que são ou querem ser). pode acontecer que um filho os tenha diferentes de um ou ambos os progenitores, será uma alma livre para escolher os seus. nestes casos de divergência, é normal haver desilusão, principalmente se o filho vive contra princípios de um pai (como andriy, que morreu para a polaca, dos de tarass, que matou como cossaco).
sem deixar de considerar a legitimidade de todos os ideais (por mais idiotas que sejam), por moi, o ideal maior a ter para um filho (para a família e amigos também, mas com outra intensidade e responsabilidade) é que se realize como ser humano. não a mim, ao ser humano que sou, mas a ele, ao ser humano que quiser ser. a nossa responsabilidade não é escolher por ele, é ensina-lo a pensar crítico e mostrar-lhe como se descobre o mundo. depois, ele que pense como quer construir e o construa.
p. s.- na versão cinema, a princesa morre ao dar à luz um rapaz, filho de andriy. tempos modernos necessitam de finais optimistas, de tão desgraçados serem.
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